O “dinovania” criado por um desenvolvedor solo que emociona sem diálogos e redefine o que esperamos de jogos de dinossauros.

Primal Planet é o tipo de jogo que prova que nem sempre precisamos de diálogos elaborados para contar uma história tocante. Desenvolvido durante cinco anos pelo sul-africano Albert Van Zyl (radicado na Finlândia e conhecido também como Seethingswarm), este “dinovania” nos coloca no papel de um pai pré-histórico em uma jornada desesperada para proteger sua família em um mundo hostil repleto de dinossauros, tribos rivais e… alienígenas antigos.
A narrativa se desenrola inteiramente por meio de animações, expressões faciais, linguagem corporal e situações que falam por si sós. É impressionante como o jogo consegue estabelecer conexões emocionais profundas com personagens feitos de poucos pixels. Você genuinamente se preocupa com sua esposa arqueira, sua filha vulnerável e Sino — o adorável dinossauro de estimação da família.
Metroidvania ou algo mais?
Aqui reside uma das principais discussões sobre Primal Planet: até que ponto ele é realmente um metroidvania tradicional? Para puristas do gênero, a resposta pode ser decepcionante. O jogo se aproxima mais de um “plataforma de mundo aberto com elementos MV”, como bem observado por jogadores experientes de metroidvania.
Ao contrário dos metroidvanias clássicos, nos quais você encontra habilidades específicas que desbloqueiam novas áreas, Primal Planet baseia sua progressão principalmente em itens: tochas para queimar trepadeiras espinhosas, cartões eletrônicos para abrir portas alienígenas e equipamentos de sobrevivência. As habilidades tradicionais (pulo duplo, dash aéreo, respiração prolongada) existem, mas são aprendidas por meio de pontos de XP e servem mais para melhorar a travessia do que para desbloquear áreas obrigatórias.
Sobrevivência e exploração

O sistema de sobrevivência é um dos pontos altos nas primeiras horas do jogo. Você precisa gerenciar recursos, criar ferramentas, preparar alimentos e tomar decisões estratégicas sobre quando lutar ou fugir. A mecânica funciona especialmente bem no início, quando cada recurso é precioso e cada encontro com predadores representa um risco real.
Infelizmente, conforme você progride e melhora seus equipamentos, o aspecto de sobrevivência perde relevância. O inventário fica constantemente lotado de recursos, e a necessidade de gerenciamento cuidadoso diminui drasticamente, transformando a experiência.
Uma família unida
Um dos aspectos mais encantadores de Primal Planet é como a família funciona como uma unidade coesa. Sua esposa não é apenas uma acompanhante passiva; ela é uma arqueira letal que frequentemente salva o dia. Sua filha oferece apoio emocional crucial e precisa ser protegida, criando momentos genuinamente tensos. E Sino, o dinossauro, é mais que um mascote fofo; ele tem sua própria árvore de habilidades e pode ser controlado por um segundo jogador no modo cooperativo local.
O sistema de abraços merece destaque especial. Poder abraçar sua esposa, filha e dinossauro pode parecer um detalhe bobo, mas funciona como uma mecânica emocional poderosa que reforça os laços familiares e torna os momentos de perigo ainda mais impactantes.
Dinossauros convincentes
Seethingswarm demonstra um cuidado impressionante com os dinossauros de Primal Planet. Cada uma das mais de 8 espécies (incluindo Sinosauropteryx, Carnotaurus, Apatosaurus e o icônico T-Rex) possui comportamentos naturalísticos baseados em pesquisas paleontológicas. Alguns são agressivos; outros, pacíficos. Alguns caçam; outros fogem. Muitos simplesmente te ignoram — até não ignorarem mais.
O design sonoro acompanha essa abordagem naturalística, com rugidos e chamados inspirados no que essas criaturas poderiam ter soado. O resultado é um ecossistema que parece verdadeiramente vivo, no qual você pode simplesmente parar e observar as interações entre as diferentes espécies.
Problemas técnicos e de design
Nem tudo são flores na pré-história de Primal Planet. O maior problema, unanimemente apontado por jogadores e críticos, é o sistema de mapas. O mapa-múndi é dividido em setores em formato de grade, mas você só pode ver o submapa da área atual. Isso torna o planejamento de rotas e o backtracking — elementos essenciais em qualquer metroidvania — extremamente frustrante.
A situação é agravada pelo sistema limitado de viagem rápida, restrito a alguns portais que se conectam aos pares sem indicação clara de destino. Alguns jogadores chegaram ao ponto de criar seus próprios mapas anotados para navegar adequadamente pelo mundo do jogo.
Os requisitos de sistema também são exagerados (16 GB de RAM, Radeon RX 650), embora o jogo rode adequadamente em hardware mais modesto, com apenas algumas travadas ocasionais.
Narrativa desbalanceada
Embora a narrativa sem palavras seja genuinamente tocante, ela sofre de problemas de ritmo. As primeiras e últimas horas do jogo são ricas em desenvolvimento emocional e momentos marcantes. Porém, o meio da campanha se transforma em um “deserto narrativo”, focado quase exclusivamente em mecânicas de sobrevivência e exploração, sem avanços significativos na história.
A vila que você ajuda a melhorar ao longo do jogo, por exemplo, acaba se sentindo vazia de significado, mais uma mecânica do que um elemento narrativo orgânico.
Aspectos técnicos e visuais
Visualmente, Primal Planet é um deleite. A pixel art detalhada traz vida a cada ambiente, e a animação dos personagens é expressiva o suficiente para carregar toda a carga emocional da narrativa. O ciclo de dia e noite não é apenas cosmético; a visibilidade reduzida durante a noite torna armadilhas mais perigosas e desperta predadores noturnos mais agressivos.
A trilha sonora complementa perfeitamente a experiência, criando uma atmosfera convincente que oscila entre momentos de tranquilidade familiar e tensão de sobrevivência.
O único aspecto visual repetitivo é a predominância de ambientes de selva. Embora sejam variados e detalhados, a sensação de “mais do mesmo” eventualmente se instala.
Filosofia de design não-paternalista
Primal Planet adota uma abordagem interessante ao recusar-se a segurar a mão do jogador. Não há objetivos apontados na tela, tutoriais explicativos ou indicações claras de para onde ir. O jogo parte do princípio de que você deve descobrir tudo — das mecânicas básicas às nuances dos sistemas — por meio da exploração e experimentação.
Essa filosofia de design pode ser frustrante para alguns jogadores, mas também é refrescante em uma era na qual muitos jogos pecam pelo excesso de orientação.
Cooperativo e rejogabilidade
O modo cooperativo local, embora limitado, funciona bem como uma experiência “entra e sai”. O segundo jogador assume o controle de Sino e, apesar de ter mecânicas mais simples que o protagonista principal, contribui para a jogabilidade. É uma pena que outros membros da tribo não sejam jogáveis, especialmente considerando que você pode contratá-los como companheiros controlados por IA.
Veredicto final
Primal Planet é um jogo que transparece tanto as virtudes quanto às limitações de ser um projeto solo. A paixão de Seethingswarm é evidente em cada pixel, cada animação e cada interação cuidadosamente elaborada. A narrativa sem palavras é genuinamente tocante, os dinossauros são fascinantes, e a dinâmica familiar cria momentos emocionais raros no meio gamer. Porém, problemas como o sistema de mapas confuso, o desbalanceamento narrativo no meio do jogo e algumas limitações técnicas impedem que alcance a excelência absoluta.
Para os padrões rígidos dos puristas do gênero metroidvania, pode ser classificado como “MV-adjacente” em vez de um representante puro. Ainda assim, Primal Planet se destaca como uma das experiências mais criativas e emocionalmente ressonantes dos últimos tempos. É um jogo que merece ser jogado, especialmente por aqueles que valorizam narrativas inovadoras e têm paciência para se perder (literalmente) em um mundo vasto e cheio de maravilhas pré-históricas. Se você conseguir superar suas limitações técnicas e abraçar sua filosofia não-paternalista, encontrará uma aventura única que combina sobrevivência, ação, exploração e, acima de tudo, muito coração.
Recomendado para: Fãs de jogos indie, entusiastas de narrativas visuais, pais gamers, e qualquer um que queira uma experiência diferenciada no gênero metroidvania.
Evite se: Você precisa de orientação constante, tem baixa tolerância para problemas de navegação, ou espera um metroidvania rigidamente tradicional.
Caso você tenha se interessado, adquira o jogo na Steam ou GOG.