A jornada de um garoto em busca de uma batata roubada se transforma em uma tocante e visualmente rica aventura de realismo mágico, celebrando o legado familiar e a cultura latina.

Quando iniciei SOPA: Tale of the Stolen Potato, confesso que não esperava ser tão impactada por uma história sobre fazer sopa. Mas este indie do StudioBando conseguiu me surpreender e me emocionar de maneiras que poucos jogos fazem atualmente.
Lançado em outubro de 2025 para PC, Xbox e PlayStation 5, SOPA é uma aventura narrativa que, apesar de suas limitações técnicas, transborda alma e um profundo carinho pelas raízes latino-americanas.
História e narrativa: a metáfora da batata perdida
Tudo começa de forma despretensiosa: Miho, um garoto relutante em ajudar sua avó (ou “Nana”, como carinhosamente a chama), é enviado à despensa para buscar o ingrediente principal da sopa: uma batata. O que deveria ser uma tarefa de poucos segundos se transforma em uma jornada de realismo mágico quando um sapo travesso rouba o ingrediente e arrasta o menino para um mundo fantástico.
A cada vez que Miho retorna à cozinha com um novo ingrediente exótico, percebemos mudanças sutis, mas importantes: Miho cresce um pouco e sua avó parece envelhecer. Essa premissa simples esconde camadas de significado tocante. A passagem do tempo não é apenas uma mecânica de checkpoint de jogo, é o coração pulsante da narrativa — uma metáfora delicada sobre amadurecimento, família e a inevitabilidade da vida seguir em frente, celebrando o legado que passamos adiante.
Os personagens são o verdadeiro destaque. Conheci Celia, uma vaca filósofa que me fez rir e refletir, e Jellyman, uma criatura marinha tão estranha quanto adorável. Cada encontro é cuidadosamente escrito para atuar como um espelho emocional da jornada de Miho, reforçando temas de família, tradição e memória.
Direção de arte e design de áudio: o encanto da américa latina

A direção de arte mistura com maestria o calor e a expressividade de animações da Pixar/Disney com paletas vibrantes, além de cenários inspirados em algumas paisagens latino-americanas. Visualmente, o jogo é deslumbrante e cumpre a promessa de realismo mágico.
É impossível não notar as influências de O Pequeno Príncipe, Viva – A Vida é uma Festa e A Viagem de Chihiro. Cada ambiente que explorei — desde florestas exuberantes até vilarejos musicais e desertos místicos — carrega a essência das raízes colombianas de seus criadores, Juan Castaneda e Nelson Guevara.
No quesito sonoro, o jogo é igualmente aconchegante. A trilha sonora é um banquete de ritmos latino-americanos, apresentando artistas underground contemporâneos. Ela é utilizada de forma orgânica, elevando os momentos de contemplação e exploração. O design de áudio é sutil, mas eficaz, desde os diálogos em uma língua inventada e engraçada, até os sons ambientes que nos fazem sentir imersos em um universo orgânico e vibrante.
Jogabilidade: altos e baixos da aventura

SOPA é, essencialmente, uma aventura point-and-click com foco total na narrativa. A experiência de jogo começa forte, logo no início, onde enfrentei uma sequência criativa na qual precisei atravessar um rio enquanto o cenário alternava entre o mundo real (a despensa) e o fantástico (uma floresta densa). Coletar itens em ambos os planos foi uma ideia genial que mostrou o potencial criativo do StudioBando.
Os momentos de exploração e diálogos emocionantes se alternam com pequenos desafios que estimulam a observação e o pensamento crítico. Os quebra-cabeças, em sua maioria, são coerentes e bem estruturados, sempre mantendo uma lógica acessível à perspectiva infantil.
Porém, nem tudo é perfeito. Após as primeiras horas de jogo (a aventura dura cerca de 4 horas), senti o ritmo desacelerar consideravelmente. Alguns puzzles se tornaram repetitivos e pouco intuitivos, especialmente durante a exploração do mercado dos sapos. Os personagens que deveriam ajudar às vezes pareciam mais enigmáticos do que úteis, quebrando um pouco a fluidez da experiência.
Aspectos técnicos e performance
A performance é um ponto de atenção. Joguei SOPA no Steam Deck, que considerei perfeito para esse tipo de experiência intimista. O desempenho é satisfatório nas configurações médias e baixas, rodando de forma estável. No entanto, mesmo nas configurações altas, o jogo não ultrapassou os 30 frames por segundo (fps), o que pode incomodar jogadores mais sensíveis.
Além disso, a movimentação e a câmera poderiam ser mais polidas. Tive momentos de frustração ao subir plataformas ou ao tentar ajustar ângulos de visão, exigindo mais paciência do que o esperado em um jogo com foco na narrativa.
Um ponto que me deixou triste, e que é crucial para um jogo que celebra a cultura latina, foi a ausência de localização em português brasileiro. Embora haja legendas em inglês e espanhol, o acesso do público brasileiro à profundidade dos diálogos e escolhas narrativas é limitado, o que é uma pena para um título disponível no Xbox Game Pass.
Veredito final: uma receita de afeto

SOPA: Tale of the Stolen Potato não é sobre gameplay complexo ou gráficos de ponta. É sobre emoção, memória e as tradições que herdamos. É o tipo de jogo que te faz querer ligar para sua avó depois de jogar (se você tiver uma ainda, ligue! Sinto muito falta da minha avó). A sinceridade e o amor da equipe brilham em cada canto do jogo e a representatividade latina autêntica é um sopro de ar fresco.
Apesar dos tropeços na jogabilidade e do ritmo que ocasionalmente arrasta, a experiência vale cada minuto. É um conto interativo sobre crescer, lembrar e cuidar de quem amamos. Para quem busca uma aventura cheia de coração, representatividade latina e uma história que aquece a alma, SOPA é uma receita deliciosa.
Joguei a versão para PC na Steam.